Em um ato simples e emocionante, no domingo, 1º de dezembro de 2024, na igreja do Seminário Redemptoris Mater de Roma, Kiko Argüello, iniciador do Caminho Neocatecumenal junto com Carmen Hernández, recebeu a medalha “Per Artem ad Deum” por sua contribuição à arte sacra.
O prêmio é concedido anualmente pela Associação SacroExpo a artistas ou instituições cujos feitos artísticos contribuem para o desenvolvimento da cultura e da espiritualidade humana. Conta com a particularidade de ser o único prêmio patrocinado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação.
Vídeo do ato de entrega do prêmio
“Nova estética na Igreja”, Kiko Argüello
Muito bem, muito bem! Posso dizer uma palavra?
Agradeço ao Cardeal Ryś e ao Mons. Arrieta por sua presença. Agradeço à associação ARTESACRA por esta medalha “PER ARTEM AD DEUM”, que para mim foi uma surpresa inesperada.
Quando tinha 20 anos, recebi o prêmio nacional extraordinário de pintura na Espanha. Pouco tempo depois, abandonei minha carreira como pintor para encontrar Cristo no meio dos pobres. E o Senhor me recompensou com o cêntuplo, pois um dia fui chamado para pintar o ábside e os vitrais da catedral de Madri.
O Senhor fez algo impressionante comigo e com Carmen. Porque o mais importante de toda a minha obra artística foi abrir um Caminho de Iniciação Cristã em toda a Igreja, que está ajudando tantas famílias e tantos jovens. Isso, sim, é uma verdadeira obra de arte!
Todos conhecem a famosa frase de Dostoiévski no livro O Idiota: “A beleza salvará o mundo”. O príncipe a pronuncia e, em seguida, diz que essa beleza é Cristo. Temos visto a obra em que Deus nos envolveu com o Caminho de Iniciação Cristã, e estamos completamente impressionados… O Senhor nos levou a encontrar uma estética, imagens e uma maneira de expressar a fé com um novo tipo de realização, inclusive da própria Igreja.
A beleza salvará o mundo. Qual beleza? Hoje, a beleza é importantíssima, porque estamos em um mundo em que o culto a beleza, ao corpo é muito importante. A beleza é necessária porque sem ela o homem cai no desespero. São João Paulo II já havia dito que a falta de beleza conduz à falta de esperança, ao desespero e a um grande número de suicídios entre os jovens.
A beleza, como estudada na filosofia, é um dos transcendentais do ser, junto com a verdade e a bondade. Gostaria de relacionar a beleza com o prazer e com a emoção estética. Vou dar a vocês uma pincelada sobre a beleza.
Se você abrir as Escrituras, verá algo surpreendente. No livro do Eclesiástico, capítulo 42, está escrito: “Deus fez todas as coisas de duas em duas, uma diante da outra, e nada criou que seja ruim. Cada coisa manifesta a excelência da que está ao seu lado”. Diz que tudo o que Deus criou exalta a excelência do que está ao seu lado. Este é o princípio da beleza. A relação entre uma coisa e a que está ao lado. Por isso, dizemos que o conteúdo mais profundo da beleza é o amor. Por exemplo, em uma paisagem: a suavidade do céu azul canta a beleza das nuvens cinzas ou brancas; a rugosidade das árvores canta a dureza das rochas; o rio abaixo canta a beleza da praia próxima. Tudo canta a beleza do que está ao seu lado.
Em que relação? Este é o ponto. Se a relação de amor é justa, se o que está ao lado canta bem, então a beleza aparece imediatamente. Poderíamos fazer uma conferência longuíssima e belíssima sobre isso, mas quero falar de Jesus Cristo, porque tudo isso está ligado a Jesus Cristo. Porque Dostoiévski diz que a beleza é Cristo, em que sentido? A beleza sempre produz uma emoção estética, ou seja, prazer. Beleza e prazer, como se Deus quisesse demonstrar, por meio da beleza, que nos ama, que nos quer bem; por isso tudo é belo.
Os judeus falam muito de beleza. Deus criou o homem. Criou Adão e Eva. Sabe-se que Adão deu nomes aos animais, demonstrando seu conhecimento, mas não encontrou uma ajuda que lhe fosse semelhante. Então, Deus tomou uma costela e construiu uma mulher. Os judeus dizem que a palavra ‘construir’ já é uma palavra artística, para criar arte. Toda a tradição diz que não houve mulher mais bela que a primeira Eva. Adão, quando a viu, ficou impressionado: ‘Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne. Ela será chamada iššah, porque foi tirada do homem’. Iššah, em hebraico,‘varoa’ (mulher) em espanhol.
Quando Moisés conduz o povo ao Monte Sinai, Deus aparece e diz: “Adonai Elohenu, Adonai Ehad, Eu sou o único” e “amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração”. Deus aparece como um esposo. Deus é amor. Dizem que Moisés apresenta a Deus a assembleia, assim como Deus apresentou Eva a Adão. Porque será a esposa de Deus. O profeta Oséias falará do esposo de Israel e fará um paralelo entre o Gênesis e esse momento da aliança. Mas, atenção, enquanto a primeira Eva aparece toda belíssima, Israel vem do Egito, vem da idolatria, onde estiveram em escravidão e estão cheios de discórdia, cheios de coxos, de cegos. Porque os ídolos te escravizam; era um povo de escravos. Deus, dizem os rabinos, transforma esse povo, essa assembleia, diz que não há coxos, porque todos caminhavam; não havia mais surdos, pois todos ouviam a palavra, e o povo de Israel acampou, no singular, não no plural: não que eles acamparam, mas que acampou. Isso significa que eles se tornaram um. Deus não podia dar a Torá a um povo de escravos, constrói uma assembleia profética que anuncia os novos tempos messiânicos.
Este tema da beleza da assembleia de Israel será desenvolvido ao longo do rabinismo através de muitos midrash. Cristo conhecia esses midrash. Quando os discípulos de João se aproximam de nosso Senhor Jesus, perguntam: “És tu o Messias ou devemos esperar outro?”, ouçam o que Cristo responde: “Dizei a João: os cegos veem, os coxos andam, os surdos ouvem”. Por que Ele diz isso? Porque já se esperava o Messias como aquele que organizaria não apenas o povo de Israel, mas a nova humanidade. Uma nova humanidade.
O mesmo que Cristo fez conosco! Ele nos fez escutar sua palavra, abriu nossos ouvidos. Abriu nossos olhos, como fez com o cego. Cristo fez com sua saliva um pouco de barro e o aplicou sobre os olhos do cego. E o cego viu o amor de Deus, que lhe devolveu a vista. O mesmo que Ele fez conosco por meio da iniciação cristã. A palavra de Deus, que é como a saliva, ilumina profeticamente nossa pobreza, nossos pecados. Faz barro e o coloca diante de nossos olhos. Ele coloca nossos pecados diante de nós com esse barro. E depois nos diz: ‘Lava-te’. O mais difícil é se considerar pecador, isso não acontece sem a saliva, a palavra de Cristo. E todos os nossos pecados foram perdoados. Agora já não somos escravos. Vimos o amor por nós, pecadores.
Efetivamente: os cegos veem, os surdos ouvem, os coxos andam, caminham ajudando o próximo, os leprosos ficam limpos. Cristo chegou, é o sinal de que o salvador do mundo chegou, aquele que faz de nós uma nova criação. Há uma primeira criação, e Israel concebe a aliança como uma nova criação. Vem o Messias que realiza conosco uma nova aliança, uma nova criação.
Esta nova criação é descrita no Apocalipse, quando se fala da nova Jerusalém que desce do céu. E fala-se da beleza. Toda resplandecente como uma noiva, como uma esposa. A beleza! É importantíssima. Hoje estamos em uma época em que se fala de globalização. Há uma imagem do mundo que é Babilônia, a grande prostituta do Apocalipse.
Mas, diante de Babilônia, há outra cidade: a Jerusalém celeste, que vem do céu, vestida de branco como uma esposa, vestida de boas obras, vestida de linho resplandecente. Há uma obra frente a Babilônia. Deus está nos chamando para construir a beleza de Cristo. É o corpo de Cristo que salvará o mundo. A beleza de Cristo. E qual é essa beleza? A nova Jerusalém: todos se tornaram belos porque Cristo os revestiu de sua santidade, e aparece a comunidade cristã: a Igreja, toda resplandecente, que é o Cordeiro que vence a besta. Essa beleza salvará o mundo. O mundo está esperando pelos cristãos. Estão esperando ver esses homens que enxergam o amor de Deus, quando as pessoas não veem o amor de Deus em lugar algum. Estão esperando por estes que caminham para anunciar o Evangelho como os pobres. Estão esperando por estes que escutam a Palavra, que se amam, que têm um só coração: “Amai-vos como eu vos amei; por esse amor saberão que sois meus discípulos”. Aparece uma beleza que é Cristo.
Na tradição da Igreja, há um jardim no Éden, e também um segundo jardim no Monte Sinai, onde o cume aparece como uma árvore que dá fruto, que é a Torá, mas há um terceiro jardim. Existem o jardim do Éden e o jardim do Apocalipse, onde aparece a nova Jerusalém, onde há uma árvore da vida que dá frutos eternos. Porém, há um quarto jardim: o Gólgota. Ali está o horto onde Cristo foi crucificado. Nesse jardim, há um sepulcro, há um ressuscitado, há um novo jardineiro, que é Cristo, o novo Adão. Há uma mulher que vem da prostituição, chamada Maria Madalena, e quando o vê, ela diz: “Rabbuní!” Ela vai abraçá-lo, mas Cristo lhe diz: “Noli me tangere!”, “Não me toques, porque ainda não subi ao Pai”. Esse texto: ‘Não me toques!’ é importantíssimo, porque está relacionado com a nova Jerusalém. “Vai e anuncia que subo ao Pai, meu Pai e vosso Pai; meu Deus e vosso Deus.” Ele lhe dá o anúncio do Kerygma, vai realizar uma obra imensa. Cristo toma a natureza humana e a leva à Santíssima Trindade.
São Paulo diz que na criação há um espelho, uma epifania do amor de Deus para conosco, através da beleza. Há algo na natureza que te impressiona, está a sua beleza, há uma espécie de mansidão, como uma obediência. O que é o homem? É um devir, é um projeto, é um prodígio. O homem! O homem é um prodígio. Somos um projeto em constante realização, ou seja, em constante precariedade. Não temos o direito de tirar do homem a possibilidade de realizar-se tal como Deus o criou, porque é um projeto em constante realização.
São Paulo, na segunda carta aos Coríntios, afirma que Cristo morreu por todos, para que aqueles que vivem já não vivam para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles. Esta é a visão do homem segundo a Revelação, esta é a antropologia cristã: o homem, escravo do pecado, está obrigado a oferecer-se todo a si mesmo, precisamente porque é escravo, perdeu a dimensão da beleza que é o amor, o sair de si mesmo para amar o outro. A obra da salvação consiste em arrancar o homem desta maldição, devolvendo-lhe a beleza do amor.
Para este homem, estamos tentando criar um novo tipo de paróquia; fazemos paróquias com uma coroa mistérica onde o céu está presente, com os mistérios mais importantes da nossa fé. A Igreja de hoje não tem uma estética definida… Isso nos impulsionou, de certo modo, a buscar uma estética. Em Madri, fizemos uma paróquia com um teto dourado, pedra branca e cristal, com um catecumenium: um conjunto de salas que se abrem para uma praça central, com uma fonte. No andar térreo, encontram-se todos os serviços sociais e, acima, em outro andar, estão todas as salas de cada comunidade, etc.
Estava falando sobre a beleza. Toda reforma da Igreja trouxe consigo, inevitavelmente, uma renovação estética: pensemos no gótico, no barroco… Não poderia ser diferente com o Concílio Vaticano II.
Bom, nós, do Caminho, queremos apresentar essa beleza, que é a beleza do amor nesta dimensão: Cristo (apontando para a cruz). E queremos apresentá-la em uma comunidade cristã, porque pensamos… Porque Cristo diz: “Amai-vos, amai-vos”, mas amar quem? Os primeiros cristãos viviam em uma pequena comunidade, todos se conheciam. A comunidade não pode ser muito grande porque se trata de mostrar, de criar um sinal público de amor. O número de uma comunidade é 30, 40, porque precisamos dar um testemunho concreto de amor. Deve voltar o grito dos pagãos: “Vede como se amam”, isso gritavam ao ver os cristãos. Porque Cristo no Evangelho diz: ‘Amai-vos, amai-vos, amai-vos’. Esta é a beleza que salva o mundo: o amor na dimensão da cruz. Demonstra que, se nos amamos na dimensão do inimigo, temos dentro de nós a vida eterna. Porque, de outra maneira, é impossível nos amarmos assim, porque Deus nos deu fé dentro, e a fé nos dá a vida eterna, a vida imortal… Temos algo dentro de nós que nos sustenta, que nos mantém, que é a vida de Deus em nós, a vida de Cristo, sua vitória sobre a morte em nós, concedida pelo Espírito Santo. De fato, o que devemos proclamar é a ressurreição de Cristo presente em nós.
Queremos ser um Caminho sério, uma via séria, porque estamos prestes a dar uma grande batalha ao mundo, ao diabo, ao grande dragão, somos a mulher que está dando à luz ao filho varão, ameaçada pelo grande dragão, que é o príncipe deste mundo. Os judeus diziam que no mundo sempre vence o diabo. Interessante, vocês viram isso? O nazismo, primeiro, e o comunismo, depois, pareciam ter conquistado tudo, tudo, nações inteiras. Entendemos por que toda a Europa está indo hoje para a apostasia, entendemos por que há uma secularização total. O diabo parece sempre vencer, porque Cristo, neste mundo, não tem onde reclinar a cabeça e com Ele, os cristãos. Mas nós, com Cristo, vencemos a morte e temos uma alegria imensa, por isso devemos anunciar e dar testemunho do amor que Deus tem por nós, que nos deu a vida eterna dentro de nós.
Cristo diz: ‘Amem-se uns aos outros como eu os amei’. Cristo nos amou, e neste amor os pagãos secularizados, que nos rodeiam, saberão que sois meus discípulos. Cristo nos amou na dimensão do inimigo, ou seja, não se opôs ao nosso mal. O Sermão da Montanha diz: “Não resistais ao mal”. ‘Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos perseguem’. O que é isso? O Cristianismo.
O ponto é este: o que significa ser cristão hoje, de que devemos dar testemunho? São Paulo diz: “Levamos sempre e por todas as partes o modo de morrer de Jesus”. O modo de morrer, ou seja, Cristo morto crucificado – diz – “Levamos sempre e em todas as partes em nosso corpo o modo de morrer, para que se veja em nosso corpo que Cristo está vivo”. O Concílio Vaticano II falou da Igreja, sacramento de salvação universal… Cristo nos mostrou uma justiça, que é a justiça do amor na dimensão da cruz.
A beleza salvará o mundo, que é Cristo que vive nos cristãos, nas comunidades cristãs. Dissemos à Santa Sé que não queremos fazer uma congregação, queremos levar esta mensagem à Igreja: é maravilhoso viver a fé em uma comunidade cristã nas paróquias.
O mais belo das comunidades é que vimos a ação de Deus nos irmãos, todos se enriquecem com o bem dos outros. Todos em todos. Há uma riqueza comum e constante em todos. É maravilhoso ver que os cegos veem o amor de Deus em suas vidas. Cristo venceu a morte, não olhamos para a morte com horror, nem para a velhice, nem para a doença. E não é que sejamos muito bons, mas que todos somos pecadores, pobres.
Na ressurreição de Jesus Cristo, Deus demonstra algo grandioso, que este ressuscitou dos mortos e subiu ao céu; Deus o constituiu como Kyrios. A palavra ‘kyrios’ é a palavra de Deus no Monte Sinai. Portanto, este homem que morreu na cruz por nós é o próprio Deus.
Cristo morreu para que o homem possa sair deste círculo de egoísmo, para que não viva mais para si mesmo, mas para aquele que morreu e ressuscitou por ele, Cristo, a beleza divina feito homem, que se fez um de nós, para que o homem pudesse receber a glória de Deus.
Cardenal Grzegorz Ryś
Arcebispo de Lodz, Polônia
Ilustríssimos senhores, irmãos e irmãs, querido Kiko!
Todos nós, aqui presentes, estamos convencidos, seguramente, desta fórmula Per Artem Ad Deum.
Além disso, nos reunimos para premiar o homem que fez desta fórmula um dos princípios de sua vida.
Ainda mais, É PRECISO DIZER que este princípio não é evidente para todos. E essa “não evidência” tem várias faces:
Em primeiro lugar, pode ter a face da arte, que, a priori, não quer ter nada a ver com Deus. Isso é afirmado, de forma apropriada e ardente, por Jonathan Sachs em seu livro “A Persistência da Fé”: durante muitos séculos, a arte e a fé viveram em um matrimônio harmonioso, mas agora estão DIVORCIADAS! Como costuma acontecer nos divórcios, a causa nunca é de apenas uma das partes. O divórcio entre fé e cultura também se deve à imaturidade da fé dos cristãos: uma fé madura — dizia São João Paulo II — sempre se traduz em cultura!
Em segundo lugar, a arte pode se converter — e frequentemente se converte — um fim em si mesma. Isso significa que a arte pode não querer conduzir ninguém, mas apenas a si própria, estando totalmente concentrada em si mesma. O santo Irmão Alberto (Adam Chmielowski), um dos melhores pintores poloneses do século XIX, advertia contra esse fenômeno, falando de uma “Senhora Arte” que exige para si uma devoção idólatra.
Em terceiro lugar, ao longo dos séculos, não faltaram na Igreja vozes críticas em relação à arte religiosa e sacra e às suas exigências. Quando o culto das imagens foi reconhecido pelo Segundo Concílio de Niceia, no Ocidente do cristianismo, no ambiente de Carlos Magno, surgiram uma série de dúvidas. A coleção mais completa é a dos Livros Carolíngios, de Teodulfo de Orleans: Jesus não ordenou aos apóstolos que pintassem imagens, mas que pregassem a PALAVRA. Por quê?
Porque a palavra não prende a imaginação humana com tanta força quanto uma imagem! Isso nós sabemos. Creio que essa é uma experiência comum a todos nós. Eu (por exemplo) sei desde criança que Deus Pai é um ancião bastante sério sobre as nuvens, com barba, um cetro e o globo cruciforme na mão; assim o via no teto da minha igreja paroquial (uma vez por semana, às vezes até todos os dias); e é quase impossível se libertar dessa imagem.
De fato, diz Teodulfo, a arte tem um valor educativo (litteratura illitteratorum), mas apenas em relação com a palavra. Uma imagem não explicada de uma mulher bela poderia representar tanto Maria quanto Vênus…
Em quarto lugar, focar-se na arte pode inverter as prioridades. São Bernardo de Claraval falou disso com muita força na história da Igreja: “A Igreja resplandece de ouro e seu Senhor tem as costas desnudas” – a Igreja resplandece de ouro – possui altares, vasos e candelabros de ouro, enquanto o Senhor da Igreja – Jesus na pessoa do pobre – está com as costas desnudas: não lhe deram uma camisa, porque todos os fundos foram gastos em decorar o templo.
Recordo todas estas objeções, não contra o princípio “per artem ad Deum” (pela arte até Deus), mas para demonstrar que vivê-lo corretamente não é nada simples: requer não apenas talento, mas também esforço, discernimento, disciplina da pobreza, oração e vigilância. O prêmio concedido hoje, portanto, não se refere apenas às capacidades artísticas, mas também à radicalidade da vida evangélica.
O caminho “per artem ad Deum” não é fácil, mas bem-aventurados os que o percorrem e guiam outros por ele. É o caminho de Deus. Deus mesmo o prepara e o percorre em direção ao homem. O caminho humano “per artem ad Deum” é antes e originariamente o caminho de Deus “per artem ad hominem”; o Livro da Sabedoria fala disso de forma esplêndida: “Porque, pela BELEZA e pela formosura das criaturas, contempla-se, por analogia, o seu autor” (Sb 13,5). Dois versículos antes, ele é chamado de “Autor da BELEZA”. A beleza que Ele cria está destinada a nos conduzir até Ele.
Mas também acontece – admite o autor inspirado – que a beleza se interpõe entre Deus e os homens, que começam a adorar a criação: “Deixam-se levar pela aparência, TÃO BELAS SE APRESENTAM AOS SEUS OLHOS!” (v. 7). No entanto, o pecado e a desvio não são a última palavra na história da humanidade. A resposta para eles é a SALVAÇÃO!
São João Paulo II, em sua “Carta aos artistas”, fala de “Beleza que SALVA”; nosso Laureado – seguindo Dostoiévski – diz o mesmo. Sabemos bem: a salvação é obra de Deus, e se realiza graças ao “mais belo dos filhos dos homens”. O caminho da beleza (via pulchritudinis) é o caminho da criação e da salvação de Deus. Para todos os seres humanos. Não para alguns poucos artistas seletos, mas para todo pecador. Este é o KERIGMA definitivo de Kiko.
Obrigado pela atenção.
Mons. Segundo Tejado
Boa noite a todos, Eminência, Excelência, amigos!
A mim me tocou a tarefa de explicar a obra de Kiko. Não tem sido fácil, não é fácil, certamente algo me esqueço, porque ele fez tanto, em tantas partes, tantas obras, que realmente é difícil quantificá-las. Me estenderei um pouquinho, não muito, não se preocupem, mas me parece importante dizer hoje, aqui neste lugar, neste momento, fazer um pequeno percurso, para onde Deus o levou em sua história para chegar até hoje, a este prêmio.
Kiko Argüello
Pintor espanhol, nascido em León no dia 9 de janeiro de 1939. Estuda na Escola Central de Belas Artes da Academia de San Fernando de Madri. Participa em inúmeras exposições e concursos de pintura na Espanha, e em 1959 recebe o Prêmio Nacional Extraordinário de Pintura.
No final dos anos cinquenta vive uma crise existencial que o leva a um encontro profundo com Jesus Cristo, levando-o a dedicar sua vida e sua arte a Cristo e à Igreja. Junto com o P. Aguilar OP, em 1960, realiza uma viagem pela Europa, antes do início do Concílio, para estudar a arte sacra, precisamente à vista da convocação conciliar. Sobre a pegada dessa renovação, muda os conteúdos de sua arte, e junto a um escultor e a um vidreiro forma um grupo de arte sacra chamado “Gremio 62” que realiza uma série de exposições em Madri, Royan (França) e Haia (Países Baixos).
Em 1964, o Senhor lhe inspira a ir viver entre os pobres em uma favela de Palomeras Altas, na periferia de Madri, abandonando sua promissora carreira como artista. Posteriormente, conhece Carmen Hernández, uma missionária, licenciada em Química e em Teologia, hoje Serva de Deus. Junto a ela, dá vida a uma nova forma de pregação que levará ao nascimento de uma comunidade cristã entre os pobres: a primeira comunidade neocatecumenal. Essa experiência será levada, aos poucos, para as paróquias. A pequena semente começa a germinar na Espanha e, após a experiência de Kiko entre os pobres da periferia de Roma, no Borghetto Latino, na Itália e no mundo todo. O Caminho Neocatecumenal hoje está presente em 136 países, em cerca de 1.300 dioceses e mais de 6.200 paróquias.
A arte de Kiko, desde o início da experiência do nascimento das primeiras comunidades, terá como objetivo de busca a necessidade de oferecer lugares de celebração adequados e dignos para a renovação que o Concílio Vaticano II está oferecendo à Igreja. Através do Caminho Neocatecumenal, são criadas um conjunto de estruturas para implementar essa renovação ao serviço da comunidade cristã.
Kiko encontra na arte da Igreja Oriental, nos ícones, a expressão mais adequada à experiência que está vivendo. Ele se impressiona com a espiritualidade desses pintores que, renunciando à própria “originalidade” e submetendo-se ao cânone preestabelecido pela tradição da Igreja, encontram o caminho para uma arte e uma espiritualidade muito mais elevadas. Kiko segue o cânone ortodoxo, atualizando-o com as novidades da pintura moderna – como Picasso, Matisse – nas quais se formou.
Em 2000, Kiko criou uma escola de pintores para a realização de ciclos pictóricos nas igrejas, como veremos a seguir, e em 2018, constituiu-se a Fundação Obra Artística Kiko Argüello, com a finalidade de conservar e divulgar a obra artística de Kiko.
Arquitetura e Pintura
Kiko Argüello, junto com Carmen Hernández, começa, seguindo o caminho do Concílio, a trabalhar na transição de uma pastoral de igreja massiva para uma igreja “comunidade de comunidades”, oferecendo uma renovação completa: da arquitetura à iconografia, dos espaços celebrativos e de encontro entre as pessoas, o que ele denominou Catecumenium, aos elementos próprios da liturgia.
Assim encontramos a obra artística de Kiko em distintas paróquias:
- La Paloma (Madri)
- San Bartolomeo em Tuto em Florência
- Santa Catalina Labouré (Madri)
- Sagrada Família (Oulu – Finlândia)
- Catedral de Nossa Senhora de Arábia – Bahrein
Em outras igrejas/paróquias pinta ciclos pictóricos, com “Coronas Mistéricas” e “Retábulos”, destinados a realçar as festas litúrgicas, segundo a tradição oriental.
- Catedral de Madri (ábside e capela de Nossa Sra. do Caminho)
- Afresco da paróquia de Santiago (Ávila)
- Igreja de Fuentes del Carbonero Mayor (Segóvia)
- Em Roma: Cripta e salão Paróquia dos Santos Mártires Canadenses, Santa Francesca Cabrini, S. Luigi Gonzaga, Natividade
- Salão Litúrgico da Paróquia de San Frontis (Zamora)
- Em Madri: Igreja e salão de N. Sra. do Trânsito, S. José, S. Sebastián, La Paloma, S. Roque
- Salão Paroquial Buone Nouvelle (Paris)
Junto à escola pictórica criada por ele, realiza vários ciclos pictóricos:
- Paróquia da Santíssima Trindade (Piacenza)
- Paróquia de S. Giovanni Battista (Perugia)
- Paróquia Santíssima Trindade, (S. Pedro del Pinatar, Murcia)
- Paróquia de S. Massimiliano M. Kolbe (Roma)
- Igreja de San Francisco Javier (Shanghái – China)
- Paróquia del Pilar ( Valdemoro – Madri)
- Igreja de Troina, Cagliari, Mestre, Verona, etc.
- Igreja Monastério Carmelita S. José (Mazarrón -Murcia)
Centros Neocatecumenais
Além das igrejas e dos salões litúrgicos das paróquias, cria centros neocatecumenais e casas de convivência: lugares de encontro entre os catequistas do Caminho, os irmãos e as dioceses:
- Centro Neocatecumenal de Madri e Roma
- Centro Neocatecumenal Servo de Yahweh (Porto San Giorgio), lugar de encontro e envio de missionários itinerantes para as nações. Em 1988, São João Paulo II celebrou a Eucaristia e enviou as primeiras famílias em missão. Neste centro cria o primeiro Santuário da Palavra, um lugar para o estudo e o escrutínio das Escrituras, decorado com um vitral original.
- Centro Internacional “Domus Galilaeae” no Monte das Bem-aventuranças em Terra Santa. Acolhendo a intuição de Carmen Hernández de erigir um centro de formação para os presbíteros e catequistas na Terra Santa, cria e constrói a Domus Galilaeae. São João Paulo II — que visitou e abençoou as obras desta casa no ano 2000 — desejou que esta casa “possa favorecer uma profunda formação religiosa e um diálogo frutífero entre judaísmo e Igreja Católica”. Prova disso são as milhares de visitas, tanto de judeus quanto de palestinos, que ficam impressionados com a beleza e a hospitalidade da Casa; assim como os encontros internacionais de bispos e também de rabinos. Preside este lugar o significativo grupo escultórico de Cristo com os apóstolos e a escultura de São João Paulo II.
- Casas de convivência e centros Neocatecumenais em vários países de América Latina, África, Europa.
Seminários Redemptoris Mater
O Senhor inspira Kiko e Carmen a necessidade de ajudar a Igreja nesta renovação, erigindo, junto com São João Paulo II, o primeiro Seminário Diocesano Missionário Redemptoris Mater em Roma, ao que outros bispos seguirão e abrirão um Seminário Redemptoris Mater em suas dioceses, até chegar ao número de 120 seminários no mundo. Kiko desenha o modelo arquitetônico de muitos desses seminários.
- Seminário Redemptoris Mater de Macerata
- Seminário Redemptoris Mater em Varsóvia (Polônia)
- Seminário Redemptoris Mater de Managua (Nicarágua)
- Igreja dos Seminários Redemptoris Mater de Roma e Madri
Outras disciplinas artísticas
Além dessas obras de arquitetura, pintura e escultura, Kiko dedica-se a outras disciplinas artísticas: vitrais, paramentos litúrgicos e objetos de ourivesaria, como cruzes, cálices, capas de Bíblia, evangeliários, etc., sempre com o objetivo de servir à comunidade cristã em seu itinerário de fé.
- Vitrais da Catedral de Madri (Espanha)
- Vitrais do Centro Internacional Porto S. Giorgio (Itália)
- Vitrais nos seminários de Roma, Madri
- Vitrais da Domus Galilaeae (Israel).
Música
Até mesmo por meio da música, Kiko busca um caminho para anunciar o Evangelho ao homem de hoje: coloca sua vocação artística a serviço da Igreja e da Liturgia, pondo músicas nos Salmos, trechos da Sagrada Escritura, hinos da Igreja Primitiva e também poemas espirituais extraídos de seus escritos. São mais de 200 composições musicais para acompanhar e enriquecer as celebrações litúrgicas das comunidades neocatecumenais.
Em 2010, Kiko compõe sua primeira sinfonia, “O Sofrimento dos Inocentes”, e, no mesmo ano, funda a Orquestra Sinfônica do Caminho Neocatecumenal, um grupo internacional formado por cerca de 200 músicos. Esta sinfonia é apresentada em todo o mundo: nos principais teatros, salas de concerto, praças e catedrais. De Madri a Nova York, de Chicago a Tóquio, de Budapeste a Lublin; de Auschwitz a Trieste, etc. Após a primeira sinfonia, Kiko compõe uma segunda partitura, um poema sinfônico em três partes, intitulado “O Messias”
A obra de evangelização e artística de Kiko recebeu o reconhecimento com um doutorado Honoris Causa de quatro universidades católicas: Roma, Lublin, Washington e Madri.
Kiko Argüello, a partir de sua conversão, concebe sua arte como uma missão. Com essa concepção da arte sacra, a devolve ao lugar de sua vocação original: a liturgia. A arte sacra havia se deslocado do lugar sagrado ao museu, à sala de exposições, aos salões dos colecionadores, anulando assim seu valor cultual e litúrgico. Kiko devolve a obra de arte à liturgia; dentro de uma comunidade viva, uma assembleia que celebra os mistérios da salvação.
Um detalhe que eu gostaria de lembrar aqui: Kiko arranca a arte do contexto do “negócio”: não cobra por suas obras: busca uma arte para os pobres, para a liturgia, para a comunidade. Faz que a arte cumpra sua verdadeira e elevada missão: levar o coração do homem à Jerusalém celeste, para experimentar o amor que Deus nos mostrou em Cristo, nascido, encarnado, batizado, transfigurado (vai indicando os ícones do retábulo), que entra na Paixão, institui a Eucaristia, morre por todos nós na cruz, é deposto da cruz, desce aos infernos para resgatar o homem e a mulher, e ressuscita (levam a mirra ao sepulcro), aparece aos apóstolos, ascende ao céu à direita de Deus Pai e envia sobre nós seu Espírito Santo com Maria, a Assunção de Maria, e virá logo, virá logo, irmãos, no final dos tempos na glória, como nos lembra este Pantocrator e o tempo de Advento que justo hoje começamos.
Presidente de Targi Kielce, Sacroexpo, Sr. Andrzej Mochoń
Senhoras e senhores
Compraz-me saudá-los por ocasião deste evento único em seu tipo. Faz mais de 25 anos que organizamos em Kielce a feira internacional Sacroexpo, um acontecimento que combina a esfera do sagrado com o mundo empresarial. Cada ano participam no evento importantes convidados do mundo da cultura e da religião, que oferece um espaço de diálogo e de troca.
Neste espírito, desde 2005, concedemos o prêmio Per Artem Ad Deum. Trata-se do único prêmio patrocinado pelo Pontifício Conselho para a Cultura, desde 2005 a 2022. O prêmio é outorgado a artistas ou instituições cuja atividade artística contribua para o desenvolvimento da cultura e da formação da espiritualidade humana.
Nestes últimos anos fiz numerosos esforços para continuar com esta grande tradição. Em 2017, no âmbito do prêmio Per Artem Ad Deum, reforçamos nossa colaboração assinando uma carta de intenção com o cardeal Gianfranco Ravasi, nesse momento presidente do Conselho Pontifício para a Cultura. Em 2022, depois da criação do Dicastério para a Cultura e a Educação, pudemos estabelecer uma colaboração com o Prefeito do Dicastério, o cardeal José Tolentino Calaça de Mendonça. Graças a esta colaboração, os futuros laureados receberão uma medalha sob os auspícios do novo Dicastério.
Tenho orgulho de dizer que, nos últimos 19 anos, já premiamos 32 personalidades de destaque, entre elas os compositores Ennio Morricone, Arvo Pärt, Wojciech Kilar e Krzysztof Penderecki, os diretores Giuseppe Tornatore e Krzysztof Zanussi, os arquitetos Stanisław Niemczyk e Mario Botta, os escultores Arnaldo Pomodoro e Wincenty Kućma, e também os pintores poloneses Tadeusz Boruta, prof. Stanisław Rodziński e Jerzy Jan Skąpski, bem como o mais importante mosaicista russo contemporâneo, Alexander Kornoukhov. Estas personalidades transcenderam o tempo e o espaço com as suas obras e guiaram-nos para o transcendente.
Hoje estamos felizes por poder entregar o prêmio Per Artem Ad Deum a Kiko Argüello. Com ele queremos ressaltar seu decisivo aporte à Arte Sacra e sua intensa contribuição na obra de evangelização expressa na comunidade do Caminho Neocatecumenal. A obra de Kiko vai muito mais além da atividade tradicional da criação artística. Através da pintura, entendida como reflexo da luz de Deus, e da música, linguagem universal capaz de abrir o coração à dimensão do espírito, ele encontra uma maneira de anunciar o Evangelho ao homem contemporâneo. Coloca sua vocação artística a serviço da Igreja e de sua liturgia, compondo música para os Salmos, outras passagens da Escritura, hinos da Igreja primitiva, assim como poemas espirituais extraídos de seus escritos. Kiko Argüello é autor de livros, assim como de importantes obras de pintura, arquitetura e escultura em todo o mundo.
Para mim, é verdadeiramente um grande prazer entregar hoje a Medalha Per Artem Ad Deum do ano de 2024 pessoalmente a Kiko Argüello. Este reconhecimento, patrocinado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação, celebra todas suas obras no campo da arte.
Querido Kiko Argüello, quero alegrar-me com você desde o fundo do meu coração e agradecer a sua imensa colaboração para o desenvolvimento da arte sacra e pelo seu trabalho em todas as atividades do Caminho Neocatecumenal. Que o seu trabalho possa continuar inspirando e transformando os corações das pessoas em todo o mundo.
Ezechiele Pasotti
Obra Artística de Kiko
Falar da Obra Artística de Kiko Argüello é extremamente complexo, não somente desde o ponto de vista formal, porque se vai da pintura à arquitetura, do canto à música polifônica, da catequese – portanto da teologia – à poesia, tocando um mundo de expressões e conteúdos não fáceis de colher e de compor em um cenário único, mas principalmente porque tudo isto se move dentro de um quadro que, apesar de estar bem composto dentro do marco da liturgia, da renovação litúrgica querida pelo Concílio Vaticano II, o autor tenta captar a perspectiva transcendente da “divina liturgia”, a favor da iniciação cristã, de um caminho de iniciação cristã, que leva os fiéis, também os mais pobres e afastados da Igreja, os mais desprovidos de qualquer formação, a um encontro pessoal com o outro, o Outro por excelência, que é Deus mesmo.
Em sua obra tudo está posto a serviço do divino: da gratuidade à cor, do toque do violão à disposição da assembleia que celebra, da composição de vários elementos litúrgicos aos detalhes da patena, do cálice para o vinho, à cruz… E o impulso para tudo isso, a inspiração profunda que nasce do amor pela beleza, Aquele que é o Senhor da beleza, é Jesus Cristo Ressuscitado, vencedor da morte, que derrama esta beleza sobre a assembleia que celebra e sobre cada membro que, revestido pelo mesmo Mistério divino, se faz-se dom um para o outro na comunidade cristã… E segundo as palavras da Santíssima Virgem que inspirou a Kiko esta iniciação cristã, ‘o outro é Cristo’, o Divino encarnado, a Beleza feita homem, o Mistério que se faz Páscoa, no encanto de uma noite que espera a aurora, a chegada do Oitavo dia final que inaugura o Céu.
Não é possível compreender a arte de Kiko senão dentro da complexidade deste Mistério Pascal: Mistério divino feito carne, para que este fosse revestido com os matizes das cores, a notas dos cantos e da sinfonia, a forma das pedras e da poesia, sobretudo da palavra para encaminhar-se para o Céu, para o cumprimento de sua vocação final: Deus.
O presidente da “Fundação Obra Artística Kiko Argüello”, Mons. Segundo Tejado, apresentando os trabalhos de Kiko, por ocasião do prêmio “Per Artem Ad Deum 2024”, outorgado pela Associação Sacra Expo no dia 1º de dezembro de 2024, disse: “Kiko Argüello, a partir de sua conversão, concebe sua arte como uma missão. Com essa concepção da arte sacra, a devolve ao lugar de sua vocação original: a liturgia. A arte sacra havia se deslocado do lugar sagrado ao museu, à sala de exposições, aos salões dos colecionadores, anulando assim seu valor cultual e litúrgico. Kiko devolve a obra de arte à liturgia; dentro de uma comunidade viva, uma assembleia que celebra os mistérios da salvação”.
E acrescentou: “Um detalhe que eu gostaria de lembrar aqui: Kiko arranca a arte do contexto do “negócio”: não cobra por suas obras: busca uma arte para os pobres, para a liturgia. Faz que a arte cumpra sua verdadeira e elevada missão: levar o coração do homem à Jerusalém celeste, para experimentar o amor que Deus nos mostrou em Cristo, nascido, encarnado, batizado, transfigurado, morto, ressuscitado, que subiu ao céu e está à direita de Deus, que nos mandou seu Espírito e que virá logo, no final dos tempos na glória, como nos lembra este Pantocrator e o tempo de Advento que justo hoje começamos”.
Mons. Segundo disse isso indicando, um por um, os diferentes ícones que compõem o grande retábulo pintado por Kiko na Capela do Seminário Redemptoris Mater, onde se desenvolveu o ato de entrega do prêmio Sacra Expo. E é muito significativo contemplar com a vista os mistérios que os ícones ilustram: é toda a história da salvação que se faz presente com um manto de cores e o envolve no ouro que define cada quadro e que, na perspectiva invertida própria da arte bizantina, o leva para dentro do desenho, o faz partícipe daquilo que anuncia o ícone.
É difícil escapar da fascinação e não abarcar todo o arco do ano litúrgico, que, com suas festas, relata e contempla o mistério da Páscoa que levou a cumprimento a história da salvação e a projeta para seu ato final: o Pantocrator, que anuncia no Livro que está em suas mãos: “Amai os vossos inimigos. Venho em breve”.
De novo, como disse Mons. Segundo, enriquecendo sua ideia: “A arte de Kiko, desde o início da experiência do nascimento das primeiras comunidades, terá como objeto de busca a necessidade de oferecer lugares de celebração adequados e dignos para a renovação que o Concílio Vaticano II está oferecendo à Igreja. Através do Caminho Neocatecumenal, criam-se um conjunto de estruturas para implementar esta renovação a serviço da comunidade cristã. Kiko encontra na arte da Igreja Oriental os ícones, a expressão mais adequada à experiência que está vivendo. Impressiona-o a espiritualidade destes pintores que, renunciando a sua própria “originalidade” e submetendo-se ao cânon pré-estabelecido pela tradição da Igreja, encontram o caminho para uma arte e uma espiritualidade muito mais elevados. Kiko segue o cânon ortodoxo, atualizando-o com as novidades da pintura moderna – como Picasso, Matisse – nas quais havia se formado”.
E a obra de Kiko não fica plasmada somente na pintura, mas também na arquitetura, no canto, na música sinfônica, nos escritos, no arquitetar uma composição do espaço celebrativo da comunidade que permite e favorece uma participação verdadeira e ativa nos mistérios que celebra a liturgia.
Trata-se daquilo que o mesmo Kiko ressaltou em sua breve intervenção, afirmando com convicção: “Muito mais importante que toda minha obra artística foi abrir um Caminho de Iniciação Cristã em toda a Igreja, que está ajudando tantas famílias e tantos jovens. Isto sim é uma obra de arte”.
No centro de todo este complexo artístico, como dizíamos no início, encontram-se dois grandes mistérios: Cristo e o homem. Cristo que, nas mãos do Pai é o artífice, o inspirador da beleza da criação do mundo e do homem, e este homem, Adão, que, criado como o cume da beleza junto à sua consorte Eva, deixa-se seduzir pela sugestão de fazer-se ‘deus’, de poder caminhar, construir um futuro sozinho, de edificar sua torre de Babel subindo ao céu – como tanta ideologia moderna voltou a imaginar –, esquecendo que, em vez disso, é Deus e só Deus que faz o homem grande. O homem, abandonado a si mesmo, não faz mais que cair no inferno dos campos de concentração e de extermínio e de morte.
Isso é o que Kiko quis proclamar forte, mais uma vez, ao receber o prêmio “Per Artem Ad Deum”: “O que é o homem?”. O que é o homem? É um devir, é um projeto, é um prodígio. O homem! O home é um prodígio. Somos um projeto em constante realização, quer dizer, em constante precariedade. Não temos direito a tirar do homem a possibilidade de se realizar tal como Deus o criou, porque é um projeto em constante realização”.
E continuou, citando São Paulo, afirmando que “Cristo morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles. Esta é a visão do homem segundo a Revelação, esta é a antropologia cristã: o homem, escravo do pecado, está obrigado a oferecer tudo a si mesmo, precisamente porque é escravo, perdeu a dimensão da beleza que é o amor, o sair de si mesmo para amar o outro. A obra da salvação consiste em arrancar o homem desta maldição, devolvendo-lhe a beleza do amor”.
“Para este homem estamos tentando criar um novo tipo de paróquia; fazemos paróquias com um coroa mistérica onde o céu está presente, com os mistérios mais importantes da nossa fé. A Igreja de hoje não tem uma estética definida… Isto nos impulsionou, em um certo sentido, a buscar uma estética. Em Madri, fizemos uma paróquia com um teto dourado, com pedra branca e cristal, com um catecumenium: um conjunto de salas que dão para uma praça central, com uma fonte. Na planta baixa encontram-se todos os serviços sociais e acima, em outra planta, encontram-se todas as salas de cada comunidade, etc.”.
Aqui está a fonte da arte, da inspiração que colocou em movimento este homem de Deus, Kiko Argüello: o mistério do amor de Deus que, em Jesus Cristo, veio buscar e salvar o mundo, para restituí-lo à sua beleza divina através de uma iniciação cristã, gradual e completa, que o introduz em uma comunidade cristã, a Igreja, nova Eva, resplandecente de beleza, para fazê-la esposa de Cristo.
E Kiko prosseguia em seu anúncio: “Queremos ser um Caminho sério, uma via séria, porque estamos a ponto de dar uma grande batalha ao mundo, ao diabo, ao grande dragão, somos a mulher que está dando à luz o filho varão, ameaçado pelo grande dragão, que é o príncipe deste mundo. Os judeus diziam que no mundo o diabo sempre ganha. Interessante, viram? O nazismo, primeiro, e o comunismo, depois, pareciam ter conquistado tudo, tudo, nações inteiras. Entendemos porque toda Europa está indo hoje para a apostasia, entendemos porque há uma secularização total. O diabo parece que ganha sempre, porque Cristo, neste mundo, não tem onde reclinar a cabeça e com ele os cristãos. Mas nós, com Cristo, vencemos a morte e temos uma alegria imensa, por isso devemos anunciar e dar testemunho do amor que Deus tem por nós, que nos deu a vida eterna dentro de nós”.
E concluía, citando Dostoiévski: “A beleza salvará o mundo, que é Cristo que vive nos cristãos, nas comunidades cristãs… é maravilhoso viver a fé em uma comunidade cristã nas paróquias. O mais belo das comunidades é que vimos a ação de Deus nos irmãos, todos se enriquecem com o bem dos demais. Todos em todos. Há uma riqueza comum e constante em todos. É maravilhoso ver que os cegos veem o amor de Deus em suas vidas. Cristo venceu a morte, não olhamos a morte com horror, nem a velhice, nem a enfermidade. Cristo morreu para que o homem possa sair deste círculo de egoísmo, para que não viva mais para si mesmo, mas para aquele que morreu e ressuscitou por ele, Cristo, a beleza divina feita homem, fez-se um de nós, para que o homem pudesse receber a glória de Deus”. A arte de Kiko, em suas diferentes expressões de pintura, arquitetura, música, cantos, poemas, é um ícone de todo este grandioso desenho de Deus pela vida do homem, porque como exclama Santo Irineu: “Glória de Deus é o homem que vive”, que vive em plenitude.
Dom Ezechiele Pasotti
Nuestra traducción del artículo publicado con la autorización de Vatican News
O prêmio “Per Artem ad Deum” a Kiko Argüello: o mundo espera a beleza de Deus
A associação Sacra Expo concedeu o prêmio “Per Artem ad Deum” ao pintor espanhol, coiniciador do Caminho Neocatecumenal. A cerimônia ocorreu ontem à tarde, 1º de dezembro de 2024, na capela do Seminário Redemptoris Mater de Roma.
Debora Donnini – Cidade do Vaticano
Uma beleza que não termina em si mesma, mas que é capaz de emocionar o homem, introduzindo-o na experiência do amor de Deus. Este foi o fio condutor da cerimônia de ontem à tarde, domingo, 1º de dezembro, durante a qual foi concedida a Kiko Argüello, coiniciador do Caminho Neocatecumenal, a medalha do prêmio Per Artem ad Deum, da associação polonesa Sacra Expo, sob o patrocínio do Dicastério para a Cultura e a Educação. Um reconhecimento que “é concedido a artistas ou instituições cujos resultados artísticos contribuem para o desenvolvimento da cultura e para a formação da espiritualidade humana”, explica o presidente da associação, Andrzej Mochoń. Nos últimos dezenove anos, o prêmio foi entregue a personalidades do calibre de músicos como Ennio Morricone, diretores como Giuseppe Tornatore e Krzysztof Zanussi, escultores como Arnaldo Pomodoro e outros, incluindo também pintores e arquitetos renomados.
Os motivos do prêmio
A concessão ocorreu em um clima alegre, na capela do Seminário Redemptoris Mater de Roma, na presença de cerca de 200 pessoas, incluindo alguns itinerantes e colaboradores de Kiko na pintura, na arquitetura e na música. Também estavam presentes o P. Mario Pezzi e María Ascensión Romero, membros da equipe responsável do Caminho Neocatecumenal junto com Kiko Argüello. “A obra de Kiko – destacou Mochoń – vai muito além da atividade tradicional de criação artística. Por meio da pintura, entendida como reflexo da luz de Deus, e da música, linguagem universal capaz de abrir o coração à dimensão do espírito, ele encontra uma forma de anunciar o Evangelho ao homem contemporâneo.”
Mochoń recordou que Kiko “coloca sua vocação artística a serviço da Igreja e de sua liturgia, compondo músicas para os Salmos, outras passagens das Escrituras, hinos da Igreja, assim como poemas espirituais extraídos de seus escritos. Kiko Argüello é autor de livros, além de importantes obras de pintura, arquitetura e escultura em todo o mundo.”
O prêmio se refere também à radicalidade da vida evangélica
Sobre a possibilidade de que a arte se torne uma devoção idólatra, no sentido de não conduzir a nada além de si mesma, concentrou-se o cardeal Grzegorz Ryś, arcebispo de Łódź. Ele destacou esse aspecto precisamente para explicar que não é fácil viver corretamente “o princípio per artem ad Deum“, pois isso requer não apenas talento, mas também discernimento e oração. “O prêmio concedido, portanto, não se refere apenas às capacidades artísticas, mas também ao radicalismo da vida evangélica.” O cardeal citou a Carta aos Artistas de São João Paulo II, recordando, assim, que o caminho da beleza é uma via de anúncio da salvação para todos os seres humanos, para cada pecador.
Kiko: o Caminho é o mais importante de minha obra artística.
Ao agradecer a entrega do prêmio, Kiko quis recordar qual é o sentido mais profundo de sua experiência artística. “O Senhor – explicou – fez comigo e com Carmen (Hernández, serva de Deus e coiniciadora do Caminho Neocatecumenal, ndr) algo impressionante. Porque o mais importante de toda a minha obra artística foi abrir um Caminho de Iniciação Cristã” na Igreja, que está ajudando tantas famílias e jovens. “Isso sim é uma obra de arte,” afirmou em seu discurso, no qual refletiu sobre o sentido da beleza. A beleza é, de fato, relação, como se manifesta, por exemplo, em uma paisagem, no azul do céu que canta à beleza das nuvens cinzas ou brancas. Isso porque “o conteúdo mais profundo da beleza é o amor.” Aprofundando ainda mais, Kiko citou Dostoiévski, que afirma que a beleza é Cristo: “A beleza sempre produz uma emoção estética” e é “como se Deus quisesse demonstrar, com a beleza, que nos ama.”
Kiko abordou o sentido da beleza através das Sagradas Escrituras. Lembrou que Deus chama os cristãos a participar da construção dessa beleza, mostrando o amor de Deus ao mundo, testemunhando que é possível não viver mais para si mesmos. “A obra de salvação consiste em arrancar o homem da maldição de oferecer tudo para si mesmo, devolvendo-o à beleza do amor.” As pessoas estão esperando pelo anúncio do Evangelho aos pobres e por ver esse tipo de amor realizado: “Amai vossos inimigos.” O Caminho Neocatecumenal busca levar isso por meio de pequenas comunidades cristãs nas paróquias – compostas por 30-40 pessoas – para manifestar o amor de Deus em um mundo cada vez mais secularizado. O Concílio Vaticano II fala, de fato, da Igreja como sacramento universal de salvação. Por isso, é muito importante que a beleza de Cristo resplandeça nos cristãos. “Cristo morreu – concluiu Kiko – para que o homem saia desse círculo de egoísmo, para que não viva mais para si mesmo, mas para aquele que morreu e ressuscitou por ele, Cristo.”
A obra artística
Para ilustrar o itinerário artístico de Kiko Argüello, por fim, P. Segundo Tejado, presidente da Fundação Ópera Artística Kiko Argüello, que tem como objetivo conservar e divulgar suas obras, recordou que Kiko estudou Belas Artes na Academia de San Fernando, em Madri, e recebeu, em 1959, o Prêmio Nacional Extraordinário de Pintura. No final da década de 1950, teve uma crise existencial e, após um profundo encontro com o Senhor, foi viver entre os pobres nas favelas de Palomeras Altas, em Madri. Ali, conheceu Carmen Hernández, e começou a experiência do Caminho Neocatecumenal, que hoje está presente em 136 nações e cerca de 6.200 paróquias. A arte de Kiko, tanto na iconografia quanto na arquitetura, busca oferecer espaços em harmonia com a renovação proposta pelo Concílio Vaticano II. Na pintura, explicou P. Tejado, sua referência são os ícones da Igreja Oriental. Kiko se impressionou com esses pintores que renunciam sua própria “originalidade” em favor da submissão ao cânone pré-estabelecido pela tradição. Kiko inspira-se, portanto, nesta arte, atualizando-o com os progressos da pintura moderna – como os de Picasso e Matisse – nos quais foi formado. Suas obras se encontram em muitas paróquias: desde Roma a Florença; Piacenza a Paris, até na Catedral de Madri, para citar apenas alguns lugares
“Kiko – sublinhou P. Tejado – tira a arte do contexto do negócio: não cobra por suas obras. Busca uma arte para os pobres, para a liturgia,” “uma arte que leve o homem a experimentar o amor que Deus nos mostrou em Cristo.” Kiko também desenhou o modelo arquitetônico de alguns seminários, realizou vitrais, algumas esculturas e ornamentos litúrgicos. Sua obra artística também abrange o campo da música como via para anunciar o Evangelho. Em 2010, compôs sua primeira sinfonia, O sofrimento dos inocentes, e nesse mesmo ano fundou a Orquestra Sinfônica do Caminho Neocatecumenal, um grupo internacional formado por cerca de 200 músicos. A sinfonia foi interpretada em muitos teatros, salas de concerto, praças e catedrais: em Madri, Nova York, Chicago, Tóquio, Berlim, Jerusalém, Budapeste, Lublin, Auschwitz, Trieste.
De fato, para encerrar o evento, foi interpretado um movimento do segundo poema sinfônico O Messias por um dueto de piano e violino, com um solista. As notas da música e o olhar dirigido ao retábulo da capela, onde estão representadas cenas da vida de Cristo, selaram o encontro, tornando-o assim uma experiência viva dessa beleza capaz de comover o coração do homem.